quinta-feira, 10 de setembro de 2020

DDC-UFRGS: transmite lives sobre a caótica urbanização brasileira

 A exclusão social e econômica decorrentes desta onda migratória são outros temas abordados nas produções. A mistura entre a periferia empobrecida e esperançosa de um futuro melhor com o luxo e preconceito de moradores de condomínios de alto padrão são tabus que refletem a desigualdade latente no Brasil. Muitas vezes, separadas por metros de distância.



Territórios Delimitados

Ao longo dos últimos ciclos online da Sala Redenção, viemos mapeando algumas problemáticas e acontecimentos de nossa História, traçando os caminhos possíveis entre diferentes filmes de diferentes tempos. Nesse processo ficou claro uma coisa até um pouco óbvia, o espaço foi se afunilando. Os deslocamentos que se deram nesse tempo foram em direção à um funil, feito de concreto e que se agiganta numa velocidade que antes era da locomotiva, mas agora é do wi-fi.

A partir desse mapeamento, é importante entender como se dão as relações territoriais onde vivemos. Como essa urbanização esmagadora resulta em culturas marginalizadas, segregações de classe e identidade, impondo o deslocamento de uns e a imobilidade de outros. Tudo se mostra de forma escancarada não apenas numa pandemia mundial, mas também numa chuva de segunda-feira de manhã, quando sabemos exatamente quem vai sair perdendo. É um processo complexo e esse percurso que a Sala Redenção propõe com esses filmes busca estender os caminhos possíveis para novas leituras desse problema, que se estende desde o século passado.

Os interesses econômicos que moldam o “desenvolvimento” dessas cidades estão lá desde o início dos primeiros projetos de cidade grande. Buscam criar um novo ideal de brasileiro: o da metrópole. No curta Maldição Tropical, de Luisa Marques e Darks Miranda, a construção de uma cidade e de um ideal se sobrepõem. O Rio de Janeiro turístico e a figura de Carmen Miranda, fantasmas dos anos 40 e 50, de um Brasil que nunca existiu de fato, ou se existiu, teve uma duração passageira. Mas o fantasma de uma cidade é material, feito de concreto e permanece nem que seja em forma de ruína. Como vemos em Megalópolis, de Leon Hirszman, em que a voz de Peréio compara o crescimento de São Paulo com as ruínas da Antiguidade, aproximações que prenunciam o destino desse crescimento desenfreado. 

Uma realidade atropelando outra. Em Nunca é Noite no Mapa, de Ernesto de Carvalho, dois (ou mais) espaços convergem, numa briga injusta em territórios engolidos por um suposto progresso. Uma virtualidade que quer ter acesso aos cantos mais remotos da cidade, não pela integração, mas pelo esvaziamento, uma gentrificação violenta que não leva em conta os habitantes de compõem esse espaço. Reduzem os corpos e o que sobra é aquilo que vemos em E, de Alexandre Wahrhaftig, Helena Ungaretti e Miguel Antunes Ramos; um mundo descorporificado, tomado pelo metal dos veículos que agora habitam as casas. Uma cidade feita para as máquinas e as mercadorias.

Apesar de evidente as injustiças inerentes à esse processo, o projeto neoliberal busca perpetuar essa lógica de uma cidade que funciona muito mais para o mercado que para seus habitantes. SuperRio Superficções, de Guerreiro do Divino Amor, ilustra de forma bem direta o nível de absurdo completamente despregado da realidade material que movem esses projetos, e que não se furtam se serem completamente segregantes. A realidade mais estranha que a ficção. Existe uma autoconsciência nesse sistema que busca todo tipo de irrealidade para se justificar. Como os moradores de um condomínio de luxo que são entrevistados em Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, que vivem tranquilamente em um mundo paralelo sem saberem o que de fato está acontecendo do lado de fora de seus muros.

E é do outro lado desses muros que se dão os dois últimos pontos desse mapa traçado pela Sala Redenção. Apesar de estarem no final do percurso, são essencialmente os principais elementos dessa discussão: o povo que luta pelo seu território nessas cidades. Conte Isso Àqueles Que Dizem Que Fomos Derrotados, de Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo e Pedro Maia de Brito, registra o movimento de ocupações por moradias, onde a força para essa luta surge na coletividade. Pessoas que são retiradas de seus meios, empurradas para fora de seus espaços e que precisam se impor contra essas forças nem tão invisíveis assim. Além dos esforços de permanências do Movimento de Luta nos Bairros, também há o esforço de se fazer ouvir. O último filme do ciclo, Cidade Improvisada, de Alice Riff, vemos o centro urbano pela lírica dos rappers de São Paulo. É pela voz que nos deslocamos pelo espaço, a hora de colocar os habitantes à frente dos prédios.

São problemáticas complexas e que se fixaram ao longo da História, mas que observamos suas contradições num breve olhar ao redor, percebendo aqueles que dividem conosco esses territórios. Na internet estamos alheios à esses fatores mais objetivos, mas ainda sim é possível, através dessas produções disponíveis online, refletir e dar voz àqueles que são diretamente atingidos por esses processos acachapantes. 

Texto: Victor Souza, bolsista da Sala Redenção e curador da mostra.

 

PROGRAMAÇÃO

MALDIÇÃO TROPICAL
(dir. Luisa Marques e Darks Miranda | Brasil | Experimental | 2016 | 14 min)

O filme experimental de Luisa Marques é uma ficção científica do passado. O curta faz uma ponte entre dois projetos de nação forjados para o Brasil em meados do século XX: o imaginário tropical, personificado por Carmen Miranda, e o modernismo tardio que se instaurou no fim dos anos 50 e início dos 60, aqui simbolizado pelo Aterro do Flamengo, no Rio.

Assistahttps://is.gd/maldicaotropical

MEGALÓPOLIS
(dir. Leon Hirszman | Brasil | Documentário | 1973 | 10 min)

Filme aborda o futuro da região sudeste brasileira, tendo como referência histórica a megalópolis de Atenas.

Assistahttps://is.gd/megalopolis

NUNCA É NOITE NO MAPA
(dir. Ernesto de Carvalho | Brasil | Documentário | 2016 | 06 min)

Que diferença faz para o mapa, se ele te contem? Um encontro frontal com o mapa, nos leva a um passeio pelo circuitos da simbiose entre o mapa e as transformações dos espaços na era do capitalismo digital.

Assistahttps://is.gd/nuncaehnoite


(dir. Alexandre Wahrhaftig, Helena Ungaretti, Miguel Antunes Ramos | Brasil | Documentário | 2014 | 17min)

Estacionamento. Es-ta-cio-na-men-to. Do latim, statio. Ficar de pé, ficar parado.

Assistahttps://vimeo.com/82000675

SUPERRIO SUPERFICÇÕES
(Guerreiro do Divino Amor | Brasil | Comédia/Documentário | 2016 | 09 min) 

SuperRio é o gêmeo superficcional do Rio de janeiro; um ecossistema de superficções que interferem na construção da cidade e do imaginário coletivo.

Assistahttps://is.gd/superrio

UM LUGAR AO SOL
(dir. Gabriel Mascaro | Brasil | Documentário |  2009 | 65 min)

O documentário “Um lugar ao sol” registra o cotidiano dos moradores de coberturas em prédios luxuosos no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Através de depoimentos e entrevistas o documentário procura capturar o modo de vida de pessoas que, do topo de prédios elegantes, desfrutam de uma realidade inegavelmente privilegiada em relação a grande maioria dos brasileiros.

Assistahttps://is.gd/umlugaraosol

CONTE ISSO ÀQUELES QUE DIZEM QUE FOMOS DERROTADOS
(dir. Aiano Bemfica; Camila Bastos; Cristiano Araújo; Pedro Maia de Brito | Brasil | Documentário | 2018 | 23 min)

Na madrugada luzes apontam um caminho.

Assistahttps://is.gd/conteissoaqueles

CIDADE IMPROVISADA
(dir. Alice Riff | Brasil | Documentário | 2012 | 19 min)

Cidade Improvsada reúne 16 MC’s brasileiros que fazem improvisação de RAP (Freestyle) para rimar sobre a cidade que vivem, seus problemas e questões. Nas batalhas de MC’s, um MC batalha contra o outro, para mostrar quem é melhor na improvisação. Neste filme, 16 MC’s se juntam para batalhar contra os problemas da cidade, e expressar suas opiniões.

Assistahttps://is.gd/cidadeimprovisada



Enviado por Difusão Cultural - UFRGS

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